quinta-feira, 2 de julho de 2009

PALAVRAS

Como muitas noites passadas, o amargor daquela parecia ferver o sangue na madrugada gélida. Já havia estado pensando por dias e dias se as coisas estavam a correr bem, mas a ansiedade o devorava sadicamente, sem nenhum pudor.

O olhar fito na janela. Os gritos dos bêbados na rua. O chuveiro pingando. A televisão ligada irradiava a luz azul de um filme sem expressão. O silêncio lhe parecia um bom companheiro; noutras horas parecia um chacal à espera de sua queda.

Virou de lado, olhou o apartamento e nada mudava. Nada. A sólida imagem imutável da solidão. A ameaça de decepção lhe apavorava demasiadamente.

A mão entreaberta parecia um monstro que o torturava. O bilhete suado e amassado dentro dela não parecia ter sido entregue ontem. Expressões desconsoladas denunciavam o medo de abrir o pedaço de papel.

De incontáveis palavras não se extrai a grandeza do ser; mesmo que já não seja, mas tenha sido e se reflita eternamente nas mais doces memórias, pois foram tantos amores vividos que a perda soava injusta ao coração de quem havia se doado. O mundo que outrora orbitava em torno do romance se espatifou. E não restavam forças para juntar cacos mil. Já não podia esperar, o tempo parecia pequeno e coração disparava em fugazes emoções.
Tirou o bilhete de suas mãos, como o mágico que o faz com um lenço. Tentou desamassá-lo com as mãos trêmulas e respirou fundo.

O condenado que mira sua sentença não sugeria tanto penar como ele. Puxou a orelha do papel, leu as primeiras letras, respirou fundo novamente e abriu-o por inteiro. As letras pareciam embaralhadas tal a rapidez com que lia. Leu algumas palavras. Preferiu ler novamente. Um pequeno sorriso de satisfação cobria o rosto e lavava os traços de angústia.

Palavras de perdão remontavam o intricado desafio do amor.

4 comentários:

João Romova disse...

Vale sempre a pena esperar... sempre

(quero ser igual a vc quando eu crescer...)

João Romova disse...

(Ps: esperar você escrever)

miss demoiselle disse...

Sensacional a sua narrativa... sensacional. Dispena comentários..

abraço,
miss

miss demoiselle disse...

Deixo aqui a dica de joão:

vingue-se mais vezes.

Um abraço,

miss