sábado, 26 de setembro de 2009

OS CONTROLES

Eram quase 2 da manhã e estava encostado na parede do corredor. A cabeça parecia explodir, rodando em torno de um corpo cambaleante que se arrastava pela casa. Não falava uma palavra sequer, mas em sua mente os diálogos prinunciavam-se em gritos rasgados, como uma canção de Janis Joplin sobre seus conceitos morais.

Não entendia como havia chegado naquele estado. Em uma ligação há duas horas, um amigo lhe dissera o que fazer. Mas como, se não havia forças?

Entendia bem como havia chegado naquele estado. Só não queria admitir. Ou por orgulho, ou por tolice. De todas as formas, sabia que não havia forças.

Entrou na sala. Escura. Tateou como um cego, tentando achar os controles da televisão. Havia perdido o controle de sua vida; estava cego.
Socou o ar, em um ataque de fúria. Jogou algumas almofadas no chão. Achou o controle e a ligou. Deitou-se na poltrona, enquanto o corpanzil se esparramava tentando achar uma posição melhor. Olhou para cima, e viu apenas o teto, a laje branca e inexpressiva. Queria ver as estrelas, mas não sabe se conseguiria chegar ao quintal da casa. Queria uma luz, mas as únicas que haviam eram dos carros, dos semáforos, do circo perto de sua casa e da TV com seu raio azulado. Poucas luzes. Na cidade, quase todas apagadas; escuridão parecia engolir seus desejos.

Passou os canais, buscando um conforto. Passaram filmes, propagandas, debates, filmes eróticos, campeonatos de poker, desenhos animados. Tudo isso em segundos, quando os dedos pareciam mais despertos que o restante sobre os botões. Achou um pastor.

O homem corpulento, a barba grossa, o terno claro, o sorriso na face, a Biblia em punho. Lia uma palavra de vida, talvez algo de São Paulo. Algo bonito que lhe trouxe paz.

Recostou a cabeça no sofá. Fechou os olhos. A cabeça ainda latejava, mas o coração diminuía o ritmo. Pela primeira vez, começava a descansar. Não contava carneirinhos, não pensava em coisas terríveis. Apenas escutava as palavras de uma voz inalterável. O pastor não gritava; quase sussurrava. E eles mantinham um trato por isso. Enquanto o pastor não gritasse, ele estaria na TV. Enquanto ele não dormisse, o pastor poderia continuar a falar. Mantinham a camaradagem.

Naquela noite, já eram 2 da manhã. A cabeça rodava. Estava tudo escuro. O corpo, encostado no sofá. Colocou duas ou três almofadas em cima da barriga. Mantinha o trato. Já havia achado os controles, mas no fundo tentava achar Deus. Havia encontrado uma luz. As palavras de seu amigo faziam mais sentido. As palavras do pastor confortavam sua noite. Estava tudo bem.

terça-feira, 8 de setembro de 2009

AO AVESSO

Termine de escrever
Todas as suas palavras tolas.
Enrole-as num papel
E vire-se.
Ao avesso.
De ponta a cabeça.
Chame seus nomes.
Grite bem alto.
Ouça a sua voz.
O belo eco ensimesmado.
A vida recontada.
Todas suas palavras tolas,
São assim quando feitas.
Viva-se; reviva-se.
Vire-se; revise-se.
Em palavras e nomes,
Voz e ecos.
Ao avesso.
De ponta cabeça.