segunda-feira, 13 de julho de 2009

À DERIVA

Quando os tempos estiverem difíceis e o peso em suas costas for maior do que podes carregar, vá para o mar. Escolha um fim de tarde sem escolhê-lo. Faça o sem critério ou não faça nada; apenas vá. Pise lentamente na areia da praia e desfrute a graciosa massagem em seus pés. Respire fundo – quantas vezes necessárias – e sinta o cheiro da maresia entrar em suas narinas. Abra os braços e celebre a liberdade, a sua alforria temporária dos fantasmas que lhe aflige.

Ande com um passo após o outro rumo ao mar; por mais óbvia que seja esta explicação, ande com uma crescente felicidade, até que a efusividade se choque com as ondas. Pegue as pequenas conchas e observe suas nuances, até se satisfazer com a beleza dos fragmentos do mar.

Entre no mar e receba cada uma das ondas como o abraço acolhedor de um velho e saudoso amigo. Grite de alegria, ou dance; esqueça que existem outras pessoas ao seu redor e se valorize neste universo particular. Calmamente, deixe seu corpo flutuar sobre as águas como um navio a deriva, permitindo-se levar pelas ondas. Cantarole uma música, ou apenas a lembre em sua cabeça. Recorde os momentos bons de sua vida, bons amigos, boas festas, boas coisas. Deixe ser, esqueça dos paradigmas e conceitos a serem mantidos, das grandes construções morais e pense no simples, no óbvio, no céu que cobre a vista como um leve e suave manto anil. Apenas. As penas. Agora. As gotas que saltitam em um mar de infinitos.

Ainda lembre que se os fantasmas quiserem acabar com o rito informal do momento, esqueça-os e deixe-se estar à deriva.

quinta-feira, 2 de julho de 2009

PALAVRAS

Como muitas noites passadas, o amargor daquela parecia ferver o sangue na madrugada gélida. Já havia estado pensando por dias e dias se as coisas estavam a correr bem, mas a ansiedade o devorava sadicamente, sem nenhum pudor.

O olhar fito na janela. Os gritos dos bêbados na rua. O chuveiro pingando. A televisão ligada irradiava a luz azul de um filme sem expressão. O silêncio lhe parecia um bom companheiro; noutras horas parecia um chacal à espera de sua queda.

Virou de lado, olhou o apartamento e nada mudava. Nada. A sólida imagem imutável da solidão. A ameaça de decepção lhe apavorava demasiadamente.

A mão entreaberta parecia um monstro que o torturava. O bilhete suado e amassado dentro dela não parecia ter sido entregue ontem. Expressões desconsoladas denunciavam o medo de abrir o pedaço de papel.

De incontáveis palavras não se extrai a grandeza do ser; mesmo que já não seja, mas tenha sido e se reflita eternamente nas mais doces memórias, pois foram tantos amores vividos que a perda soava injusta ao coração de quem havia se doado. O mundo que outrora orbitava em torno do romance se espatifou. E não restavam forças para juntar cacos mil. Já não podia esperar, o tempo parecia pequeno e coração disparava em fugazes emoções.
Tirou o bilhete de suas mãos, como o mágico que o faz com um lenço. Tentou desamassá-lo com as mãos trêmulas e respirou fundo.

O condenado que mira sua sentença não sugeria tanto penar como ele. Puxou a orelha do papel, leu as primeiras letras, respirou fundo novamente e abriu-o por inteiro. As letras pareciam embaralhadas tal a rapidez com que lia. Leu algumas palavras. Preferiu ler novamente. Um pequeno sorriso de satisfação cobria o rosto e lavava os traços de angústia.

Palavras de perdão remontavam o intricado desafio do amor.