Tenho reiteradamente afirmado, inclusive nesta Corte, em votos anteriores, o que aprendi com o jusfilósofo argentino Enrique Mari: o discurso da ordem abrange o lugar da racionalidade --- a lei --- e o lugar do imaginário social como controle da disciplina das condutas humanas e da sua sujeição ao poder.
A racionalidade, veiculada pelo direito positivo, direito posto pelo Estado, pretende dominar não apenas os determinismos econômicos, mas também os arroubos emocionais da sociedade, inúmeras vezes insuflados pela mídia. Afirmei-o há alguns anos, em artigo que escrevemos, o Professor Luiz Gonzaga de Mello Belluzzo e eu, para ser publicado na revista Teoria Política, dirigida por Norberto Bobbio. Condenam-se pessoas mesmo antes da apuração de fatos.
Nunca me detive em indagações a respeito das causas dos linchamentos consumados em um como que tribunal erigido sobre a premissa de que todos são culpados até prova em contrário. Talvez seja assim porque muitos sentem necessidade de punir a si próprios por serem o que são.
A imprensa livre é por certo indispensável à plena realização da democracia. Por isso ela há de ser necessariamente imune à censura. Para que possa esclarecer a sociedade, a quem deve servir, mesmo porque o titular da imunidade à censura é povo, não o proprietário do veículo. A alusão que aqui faço a determinados desvios, bem determinados, evidentemente não pode ser tido como desconsideração ou menosprezo, de minha parte, do papel fundamental desempenhado pela imprensa na democracia. Reporto-me a desvios cuja substancialidade não pode ser negada.
Mas não me cabe tratar dessa patologia na formulação do nosso imaginário. Aqui devo cumprir o meu dever, preservando minha independência, expressão de atitude firme e serena em face de influências provenientes do sistema social e do governo. Independência que permite ao juiz tomar não apenas decisões contrárias a interesses do governo --- quando o exijam a Constituição e a lei --- mas também impopulares, que a imprensa e a opinião pública não gostariam que fossem adotadas.
A questão da legitimidade do exercício da função jurisdicional envolve a consideração daqueles dois planos, o da racionalidade da lei e o do imaginário social, cabendo sim ao magistrado, no Estado de direito, considerar as manifestações desse imaginário, sem, contudo, permitir que a ética da legalidade seja tragada pela emoção coletiva, que pode conduzir não apenas aos linchamentos, mas à indiferença face ao desprezo autoritário pelos chamados direitos fundamentais. Para isto existem os princípios e as regras jurídicas, para assegurar que o devido processo legal seja observado também quando o reclame quem não mereça a nossa simpatia.
A sociedade e mesmo a imprensa não o sabem, mas o magistrado independente é autêntico defensor de ambos. É mercê da prudência do magistrado independente que não resultam tecidas plenamente, por elas mesmas, as cordas que as enforcarão, as elites e a própria imprensa.
A racionalidade, veiculada pelo direito positivo, direito posto pelo Estado, pretende dominar não apenas os determinismos econômicos, mas também os arroubos emocionais da sociedade, inúmeras vezes insuflados pela mídia. Afirmei-o há alguns anos, em artigo que escrevemos, o Professor Luiz Gonzaga de Mello Belluzzo e eu, para ser publicado na revista Teoria Política, dirigida por Norberto Bobbio. Condenam-se pessoas mesmo antes da apuração de fatos.
Nunca me detive em indagações a respeito das causas dos linchamentos consumados em um como que tribunal erigido sobre a premissa de que todos são culpados até prova em contrário. Talvez seja assim porque muitos sentem necessidade de punir a si próprios por serem o que são.
A imprensa livre é por certo indispensável à plena realização da democracia. Por isso ela há de ser necessariamente imune à censura. Para que possa esclarecer a sociedade, a quem deve servir, mesmo porque o titular da imunidade à censura é povo, não o proprietário do veículo. A alusão que aqui faço a determinados desvios, bem determinados, evidentemente não pode ser tido como desconsideração ou menosprezo, de minha parte, do papel fundamental desempenhado pela imprensa na democracia. Reporto-me a desvios cuja substancialidade não pode ser negada.
Mas não me cabe tratar dessa patologia na formulação do nosso imaginário. Aqui devo cumprir o meu dever, preservando minha independência, expressão de atitude firme e serena em face de influências provenientes do sistema social e do governo. Independência que permite ao juiz tomar não apenas decisões contrárias a interesses do governo --- quando o exijam a Constituição e a lei --- mas também impopulares, que a imprensa e a opinião pública não gostariam que fossem adotadas.
A questão da legitimidade do exercício da função jurisdicional envolve a consideração daqueles dois planos, o da racionalidade da lei e o do imaginário social, cabendo sim ao magistrado, no Estado de direito, considerar as manifestações desse imaginário, sem, contudo, permitir que a ética da legalidade seja tragada pela emoção coletiva, que pode conduzir não apenas aos linchamentos, mas à indiferença face ao desprezo autoritário pelos chamados direitos fundamentais. Para isto existem os princípios e as regras jurídicas, para assegurar que o devido processo legal seja observado também quando o reclame quem não mereça a nossa simpatia.
A sociedade e mesmo a imprensa não o sabem, mas o magistrado independente é autêntico defensor de ambos. É mercê da prudência do magistrado independente que não resultam tecidas plenamente, por elas mesmas, as cordas que as enforcarão, as elites e a própria imprensa.
Boa noite!