sábado, 28 de julho de 2007

A CRÔNICA DO AMOR CÍCLICO

O amor é cíclico, dá voltas e pára. Continua a andar e por fim pára. Sem dissertações sobre o amor. Sem Camões e estas baboseiras, a vida é mais surpreendente que imaginamos. Ela é mais ou menos assim:

Pedro amava Joana, aquela que usava óculos impenetráveis, espessos, feios. Na verdade, nem sempre foi assim. Antes Pedro não gostava de Joana, porque seus amigos diziam que ela era feia demais e super desengoçada nas aulas de educação física. Pedro não costumava "curtir" dos tropeções que ela levava enquanto jogava queimada, mas também, quando perguntado sobre ela, rebatia com uma rude esquivada: “Eu?! Que eu o quê, rapaz?! Tá achando que eu namoro menina feia?! Sai fora!”. No fundo, no fundo, alguma coisa chamava a atenção de Pedro.

Joana, por sua vez, venerava Gustavo. Ora, naquela pré-adolescência digna de novela infantil argentina, todas amavam Gustavo. Aquele corpinho pueril que de forma esguia passeava em meio ao pátio do “Alfredão” (Colégio Professor Alfredo Godoy), se exibindo para as meninas que suspiravam a palavra “príncipe, príncipe, príncipe...”, enquanto seus corações batiam dizendo “encantado, encantado, encantado...”. Gustavo era o cara. Na verdade era um “carinha”, pois quem aos 9 anos de idade está livre dos execráveis diminutivos? Gustavo e sua gangue passeavam pelo colégio, ele na frente com a cara de esnobe, deixava um olhar gélido a todas as meninas que não lhe interessava. Exceto uma: Jussara.

Jussara. O que seu pai não havia poupado em feiúra no cartório de registro (e ela era super complexada com seu nome, daí o apelido “Ju”) a natureza a havia agraciado com uma beleza descomunal. Jussara era linda. A lógica dizia que todos os meninos deviam querê-la como namorada, mas não era bem assim. Essa parada de “estar a fim” não era muito recíproca na nossa época, as meninas tinham suas pretensões amorosas, mas nós, os meninos, tínhamos outras... outras que eu não saberia dizer se eram elevadas ou rejeitáveis. Nossa preocupação era jogar bola, álbuns de figurinha do Campeonato Brasileiro, um novo joguinho do Super Nintendo e coisas do tipo. Nem pensávamos em namorar. Ou pensávamos. Mas sempre que gostávamos de uma menina, a nossa gangue pré-adolescente começava a curtir e dizer: “Ihh, tá namorando! Tá de namoradinha! Vai lá dar um beijinho!” e se explodiam em gargalhadas, enquanto o tolinho apaixonado se derretia em vergonha.

Passaram alguns anos, na verdade não passaram. Os anos vieram. Jussara, a menina linda como ninguém, cresceu e seu cabelo loiro ficou acastanhado, seus dentes perfeitos deram lugar ao aparelho que invadia sua boca como um intruso. Seu narizinho, que era lindo aos 8 anos, agora ficara bem esquisitinho aos 18 e sua voz, que era digna de Balão mágico, se tornara rouca e metálica. Era uma pena de menina. Mas passados (ou chegados) 6 anos, se casou com um bom rapaz, até simpático, bancário.

Gustavo, o príncipe do Alfredão ainda continuava um rapaz bonito, mas acabara trocando seus comparsas por outros mais atentados. Aos 19 anos, engravidara uma menina de sua rua, fora forçado a morar com ela, mas as coisas não deram muito certo. Passados três anos, eles terminaram e cada um foi para seu canto. Ele se mudou para Trancoso, e com algumas economias e uma pequena herança de seu pai, construiu uma pequena pousada.

Joana?! Joana trocou seus óculos antigos por um par de lentes de contato, poupando-a de vergonhas em seus melhores anos. Talvez porque fosse complexada quando pequena, a recatada Joana não tinha muitos amigos. Poucas amigas, mas boas e confidentes. Não era tão inteligente, mas seu esforço compensava. Prestou vestibular para Psicologia e passou. Pela sua dedicação, acabara se destacando como aluna. Não era mais empolgada com estes amores de novela das oito e pensava que seu marido estaria a kilômetros de distancia dali. Mal sabia que estava muito próximo...

Do outro lado da rua, oposto ao prédio que abrigava os cursos de Psicologia, Fisioterapia, Enfermagem e uma meia dúzia de outros, estava o prédio de Engenharia. Na sala 405, estava Pedro, que se interessava em Joana, mas cujo sentimento foi superado quando conheceu Marta. Mas Marta não era a cobertura do seu bolo. Todos diziam, eles negavam, mas um dia não deu... perceberam que não davam certo mesmo. Acabaram quando Pedro estava terminando o curso de Engenharia. Justo no último semestre, Pedro havia resolvido comer cachorro-quente em uma barraca do outro lado da rua. “Barraquinha do Seu João”, que sempre conversava com Joana, pois ela diariamente esperava seu pai ao lado daquele Hot Dog de letreiro vermelho, branco e verde em homenagem ao Fluminense do Seu João.

Daí, num dia. Num destes dias que não se espera nada. Pedro, experimentando o cachorro-quente naquela lanchonete ambulante, viu aquela figura familiar vindo em sua direção. Joana, sem óculos fundo-de-garrafa, parecia mais bonita que Jussara em seu auge, mais bonita que Marta e mais bonita que o restante da população feminina. Fingindo estar compenetrado em seu cachorro-quente, espreitou aquela figura feminina que infelizmente não o reconhecera. Não hesitou, foi cumprimentar. Ela surpresa. Ele surpreendido. Saíram algumas vezes e descobriram que era a cobertura ideal para seu bolo e vice-versa. Era a batata do bacalhau. As alcaparras do badejo. Pedro que na infância esquivava de qualquer coisa que o ligasse a Joana, a pediu em casamento. Ela aceitou, tiveram filhos, viajaram muito e tiveram um belo futuro juntos.

O amor é cíclico, não?! Pára onde menos esperamos, parte de onde apostávamos todas as fichas, mas acaba dando voltas. E é assim. Simplesmente assim.

Boa noite!

2 comentários:

Unknown disse...

Ouvindo 'Thank you' de Dido, enquanto lia sua lira do amor romântico e cíclico, pensei em quantas voltas o amor tinha dado comigo. Não exatamente o amor, porém apenas as imagens do que eu considerava que era amor. Temos muitas concepções,não? São formadas minuto a minuto enquanto lemos Drummond, Rosa e Cecília. Enquanto mastigamos chocolate com avelãs, desejando não experimentar um meio amargo. Enquanto escutamos Jobim e alguns amores. Cada amor, ou melhor, cada idéia de amor é paricular de cada um. E quantos já não viveram esse carrossel amoroso que você descreveu? Um que ama outro que ama outro que não ama ninguém. Porém cada um leva sua vida, muda suas concepções, a feia fica bela e a bela vira a fera. É sempre assim. Histórias como essas fazem filmes, fazem sucesso, fazem chorar, fazem casamentos.
Você me recordou Quintana, que me lembrou minha sétima série, que me lembrou de um amor de adolescência, que me lembrou de um amigo, que me lembrou que cresci e me fez ver que existem cirandas mais reais hoje.

Abraços!

Anônimo disse...

Me lembrou "Quadrilha" de Drummond...belo!